sexta-feira, 24 de abril de 2015

BIOTECNOLOGIA

A briga só começou

Eucalipto transgênico pode levar Brasil a mais um salto na produtividade da celulose. Mas antes será preciso convencer ONGs e clientes estrangeiros de que isso é bom

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Renata Vieira - Exame - 18/03/2015
Lia Lubambo
No dia 5 de março, os cerca de 63 funcionários da empresa de biotecnologia
FuturaGene, braço de pesquisa da fabricante de papel e celulose Suzano, com sede na cidade paulista de Itapetininga, viram boa parte de quase 15 anos de trabalho arrasada em pouco mais de 1 hora. Na manhã daquele dia, um grupo calculado em cerca de 1.000 mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), utilizando suas armas tão tristemente conhecidas dos brasileiros, invadiu as instalações da empresa e destruiu viveiros onde estavam milhares de mudas de eucalipto — a maioria da espécie H421, uma modalidade geneticamente modificada. 

Ao mesmo tempo, o "exército" do líder João Pedro Stédile, convocado recentemente pelo ex-presidente Lula, coordenou outro tumulto em Brasília. Estima-se que 300 manifestantes tenham invadido a sala onde representantes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável por regulamentar os transgênicos no país, reuniam-se para votar a liberação do uso comercial da espécie modificada. Com o tumulto, a votação — aguardada desde o fim de 2013 — foi adiada. "Sempre soubemos que há um ônus para quem lidera saltos tecnológicos, mas não imaginávamos enfrentar esse tipo de problema", afirma Walter Schalka, presidente da Suzano.

O que está em xeque vai além do investimento de 100 milhões de dólares feito nos últimos anos pela FuturaGene, empresa de engenharia de proteínas nascida em Israel, em 1993, e comprada pela Suzano em 2010. O resultado das pesquisas, segundo a empresa, é uma tecnologia única no mundo — uma espécie transgênica capaz de poupar um ano e meio do tempo de crescimento de um eucalipto comum. As árvores podem ser cortadas aos cinco anos e meio — o que gera um ganho de 15% no volume de madeira numa mesma área de plantio e reduz 20% dos custos de produção. "Temos uma tecnologia capaz de trazer o mesmo ganho conquistado nos últimos 25 anos com uso de melhoramento genético tradicional", diz
Eugênio Ulian, vice-presidente de assuntos regulatórios da FuturaGene. 

No melhoramento tradicional, a que o executivo se refere, as características do eucalipto são controladas e reproduzidas, sem que haja mudança na sequência de DNA da árvore. Trata-se de uma prática adotada por todas as companhias do setor no país e que possibilitou que a produtividade das florestas de eucalipto brasileiras quadruplicasse nos últimos 60 anos. O índice chega a 40 metros cúbicos de madeira por hectare ao ano — hoje, a maior produtividade no mundo. Estados Unidos e China também já estudam a transgenia em árvores, mas o Brasil é o primeiro a pleitear o uso comercial — o que coloca o país em uma posição vantajosa. 

Numa situação que ocorre em poucos setores no país, a tecnologia transgênica pode alçar as fabricantes brasileiras de celulose a uma nova fronteira de competitividade. "O projeto tem o mérito de levar o Brasil a um patamar de destaque mundial numa seara em que já é protagonista", diz Fernando Reinach, sócio do Pitanga, fundo de investimento voltado para inovações tecnológicas, e ex-presidente da CTNBio. 

POLÊMICA
Não faltam, porém, obstáculos pelo caminho. O MST, que tradicionalmente se opõe a produtores de transgênicos, é só um deles. Mais de 40 organizações já se manifestaram contra a nova tecnologia. Três dias antes da reunião da CTNBio, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor enviou aos membros da comissão, às empresas e ao ministro Aldo Rebelo, de Ciência e Tecnologia, um manifesto coletivo de cinco páginas com argumentos sobre aspectos como o risco de contaminação de outras espécies de plantas via pólen, além de outros possíveis prejuízos ambientais. Entre os signatários estão desde cientistas até apicultores, ONGs como o Greenpeace e agricultores adeptos do plantio orgânico. "Se a CTNBio aprovar essa liberação, vamos entrar na Justiça contra isso", afirma Claudia Almeida, advogada do Idec.

Boa parcela da polêmica se sustenta nas incertezas em relação ao tema. Para os mesmos tópicos, é possível achar argumentos científicos diametralmente opostos.

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