
A
regulamentação do trabalho voluntário no Brasil. Breve análise da Lei nº 9.608/98
Bruno
de Aquino Parreira Xavier
Pretende-se
neste breve artigo analisar a lei 9.608/98, publicada no Diário Oficial da União
em 19/02/1998, que dispõe sobre as condições de exercício do trabalho voluntário.
O
Programa Voluntários, criado pelo Conselho da Comunidade Solidária em 97, com o
objetivo de promover e fortalecer o voluntariado no Brasil, define voluntário
como o "cidadão que, motivado pelos valores de participação e
solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não
remunerada, para causas de interesse social e comunitário"
Este
conceito não difere do difundido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para
quem voluntário é o "jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal
e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a
diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social ou
outros campos."
Nos
conceitos de voluntário acima transcritos, encontra-se implícita a principal
motivação para o exercício do voluntariado: a satisfação do seu executor. O
trabalho voluntário gera uma realização pessoal, um bem estar interior advindo
do prazer de servir a quem precisa. Funda-se no sentimento de solidariedade e
amor ao próximo; na importância de sentir-se socialmente útil.
O
serviço voluntário é uma realidade antiga no Brasil [1]. Faltava, no entanto,
um diploma legal que viesse a regular esta relação de trabalho a fim de não só estimular
a prática do voluntariado, como também, criar um respaldo jurídico capaz de
facilitar a profissionalização do serviço voluntário e evitar a reclamação de
direitos trabalhistas [2].
No
primeiro aspecto (incentivar a prática do trabalho voluntário) a Lei nº 9.608/98
deixou a desejar. Isto porque não estabeleceu qualquer vantagem para as pessoas
que resolvam dedicar seu tempo a uma causa nobre através da ajuda a alguma
entidade [3]. Por exemplo, poderia ter sido concedido algum tipo de benefício
fiscal às pessoas que prestassem voluntariamente serviço a alguma entidade
devidamente cadastrada num órgão governamental competente ou que fosse
reconhecida de utilidade pública federal; outra sugestão bastante interessante
também poderia ser o abono de uma falta trimestral no emprego daquelas pessoas
que comprovassem documentalmente prestar serviço voluntário relevante a alguma
instituição, durante um determinado período temporal. Todavia, infelizmente,
passou à margem de tais tópicos o legislador.
Ao
se analisar o conteúdo da Lei no 9.608/98, ao longo dos seus 5 (cinco) artigos,
verifica-se que o legislador se preocupou, basicamente, em perfilar o trabalho
voluntário a fim de distingui-lo do trabalho assalariado.
O
art. 1º define o trabalho voluntário como a atividade não remunerada prestada
por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição
privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais,
educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. Já o parágrafo
único do citado artigo dispõe que: o serviço voluntário não gera vínculo
empregatício nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.
Segundo
a legislação brasileira, o vínculo de emprego está caracterizado quando o
trabalhador prestar serviços ao empregador em caráter pessoal, de forma contínua,
subordinada e mediante remuneração. Diante da definição legal, pode-se dizer
que o traço diferencial entre o contrato de emprego e o serviço voluntário
reside na ausência de remuneração.
Ocorre
que para a inocorrência do vínculo empregatício, o legislador tornou necessário
que o trabalho voluntário seja documentado por intermédio de contrato escrito,
ao qual chamou de termo de adesão, onde deverão constar expressamente o objeto
do trabalho e as condições de seu exercício (art. 2º). Neste diapasão, o "termo
de adesão" constitui-se em prova documental da não formalização do vínculo
de emprego entre o voluntário e a organização. O simples acordo tácito ou
verbal não produzirá efeitos jurídicos, prevalecendo a relação de emprego.
Sistematizando,
percebe-se, então que, são tidas como características do serviço voluntário:
a)Trabalho
não remunerado;
b)Trabalho
prestado por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza ou instituição
privada sem fins lucrativos;
c)Existência
de termo escrito de adesão, onde conste o objeto e as condições do trabalho a
ser realiazado.
Para
finalizar, um ponto importante da Lei no 9.608/98 a ser destacado diz respeito à
possibilidade do trabalhador voluntário ser ressarcido pela entidade das
despesas comprovadamente efetuadas para o desempenho das atividades voluntárias,
desde que haja a devida autorização (art. 3º e seu parágrafo único). Não
fazendo a Lei qualquer menção sobre a forma desta autorização, deve prevalecer
o melhor entendimento de que esta pode ser prévia ou posterior à realização das
despesas. Assim, o voluntário poderá receber a importância gasta em função das
despesas de transporte e alimentação, sem que com isso fique caracterizada a
remuneração, um dos elementos configuradores da relação de emprego, como visto
cima.
No
entanto, há que se ter o devido cuidado. O valor do ressarcimento de despesas
deve, por óbvio, ser proporcional a eventuais despesas de alimentação,
transporte e outras de mesma natureza. Se a quantia a ser reembolsada
ultrapassar tais parâmetros pode ser entendida como remuneração e, portanto,
ensejar reclamações trabalhistas. Neste sentido, é extremamente recomendável
que a discriminação de tais despesas sejam documentadas em relatório detalhado.
Após
esta breve análise, conclui-se que a Lei no 9.608/98, inegavelmente, constitui
um avanço ao respaldar juridicamente a prestação de serviço voluntário,
regulamentando a prática do voluntariado e protegendo as entidades de reclamações
na Justiça Trabalhista. Por outro lado, ficou uma lacuna. Não foram criadas
facilidades, nem incentivos ao cidadão para que ele tenha ainda mais motivos - além
dos ligados à solidariedade, à nobreza da causa e à satisfação pessoal – para
se dedicar à atividade do serviço voluntário.
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA,
Maria Nazaré Lins e OLIVEIRA, Carolina Felippe de. Manual de ONGS – Guia Prático
de Orientação Jurídica. Editora FGV, Rio de Janeiro, 2001.
REIS,
Jair Teixeira dos. Trabalho Voluntário e Direitos Humanos. Monografia
apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Direitos Humanos e Direitos dos
Cidadãos promovido pela PUC Minas. Disponível em: www.portaldovoluntario.org.br/biblioteca/p_voluntarios/
monografia_trabalho_voluntario.pdf
BENÍCIO,
João Carlos. Gestão Financeira para Organizações da Sociedade Civil. Global
Editora (Coleção Gestão e Sustentabilidade), São Paulo, 2000.
NOTAS
1. Jair
Teixeira dos Reis na sua Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de
Direitos Humanos e Direitos dos Cidadãos promovido pela PUC Minas Virtual,
intitulada "Trabalho Voluntário e Direitos Humanos" noticia que
pesquisadores indicam como início do trabalho voluntário no Brasil a fundação
da Santa Casa de Misericórdia em Santos, na data de 1.532.
2. O
aspecto da profissionalização do voluntariado foi abordado por Maria Nazaré L. Barbosa
e Carolina Felipe de Oliveira nos seguintes termos: "A ausência de um
estatuto jurídico aplicável ao trabalho voluntário dificultava a
profissionalização do serviço voluntário por duas razões: a) a entidade não
exigia pontualidade, competência, temerosa de que a exigência pudesse vir a
caracterizar a subordinação típica da relação de emprego; b) a entidade
resistia a efetuar qualquer ajuda de custo, embora justificável em muitos
casos, receosa de caracterizar a remuneração, outro elemento típico da relação de
emprego" (in. Manual de ONGS - Guia Prático de Orientação Jurídica,
Editora FGV, p. 46)
3. Fala-se
aqui em entidade em sentido lato, ou seja, abrangendo: as associações civis sem
fins lucrativos, as organizações não governamentais (ONGs), Organizações da
Sociedade Civil de Interesse público (OSCIP’ s), associações filantrópicas,
dentre outras.
Leia
mais: http://jus.com.br/artigos/3530/a-regulamentacao-do-trabalho-voluntario-no-brasil#ixzz3k2aeJspE
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